Os atuais problemas das novelas atuais

Depois de ler a entrevista do novelista Aguinaldo Silva no site da Folha, pontos bem interessantes chamaram a atenção e gostaria de compartilhá-los aqui com os fãs de novela.

"Império" foi premiada com o Emmy 2015 de melhor novela internacional, todos já devem saber. Abro aqui um breve parênteses para comentar superficialmente sobre essa obra. Ao contrário do pensamento de seu criador e do que o prêmio em questão possa fazer parecer, ela não foi tão bem escrita assim... apesar de ter começado muitíssimo bem, acabou ficando surreal demais, deixou a desejar em vários pontos e faltou um pouco de coerência para algumas situações e personagens. Assim mesmo, fez um grande sucesso e um dos destaques foi o personagem Comendador José Alfredo, interpretado por Alexandre Nero, que cativou a audiência da novela. Isto já se tornou algo bem corriqueiro hoje em dia - mesmo que a trama não seja das melhores ou tenha diversos pontos falhos, o carisma de um ator/personagem de repente a transforma em um sucesso que por outros fatores ela não seria (aconteceu isso com o Félix de Mateus Solano em "Amor À Vida", só para citarmos um exemplo).

 


Bom, passando por cima disso, vamos destacar aqui os pontos da entrevista de Aguinaldo que não poderiam ser mais acertados e foram levantados na hora certa:

1. "Não basta fazer o rotineiro, tem que ir além"

De fato, os autores hoje em dia se repetem a exaustão. Quando fazem sucesso com alguma obra, usam isso como fórmula-base para os trabalhos seguintes. Algumas coisas até podem dar certo por um tempo, mas a medida que se repetem e repetem, vão se tornando cansativas. Essa é uma das razões para as novelas terem caído tanto nos últimos anos.

Repetem-se personagens (e atores), cenários, enredos... não há como fazer sucesso usando sempre os mesmos elementos. Ainda que alguns autores encontrem um jeitinho de disfarçar aqui e ali e minimizar as comparações, elas ainda estão lá. A vítima mais recente desse repeteco de ideias é justamente o autor da atual novela global do horário nobre. Em a "A Regra do Jogo", João Emanuel Carneiro tentou mesclar elementos que deram certo e fizeram sucesso em "Avenida Brasil" e o resultado não agradou uma boa parcela do público, tornando-se uma decepção para o canal, que tinha nessa novela a esperança de elevar os índices de audiência do horário. Mesmo com grandes atores e qualidade técnica, a história não caiu no agrado da maioria que gosta de ver novela e esperava algo inovador e diferente vindo do autor.



2. O público está cansado de tramas realistas

Perguntado se isso é verdade, Aguinaldo confirma.

"Acho. Fui o primeiro a colocar uma favela como cenário principal em "Duas Caras" (2007). De lá para cá foram tantas as favelas protagonizando novelas que as pessoas começaram a ficar cansadas. (...) Essa coisa de vamos mostrar a vida como ela é, é para o jornalismo. A tarefa da novela é fazer o público sonhar."

É fato que boa parcela do público já se cansou dessa glamourização das favelas. Como bem diz Aguinaldo, a função da novela é fazer o público sonhar, muito mais do que retratar a realidade tal como ela é. Para ver isso, basta ligar nos programas policiais de fim de tarde ou nos telejornais noturnos. Quando o espectador sintoniza numa novela, dificilmente vai querer ver mais violência ou situações que retratam a pobreza e as dificuldades do cotidiano. Por isso mesmo tramas como "Os Dez Mandamentos" e "Cúmplices de Um Resgate", por exemplo, têm atraído uma grande fatia da audiência para os canais da concorrência. 

Alguns temas alocados atualmente em novelas do horário nobre até são interessantes e poderiam (e deveriam) ser tratados em outro tipo de obra, como minisséries ou mesmo num outro horário, como é o caso das novelas das 23h que abrem espaço para o abuso de sexo e violência e outras polêmicas. O público do horário nobre ainda é ligeiramente diverso do público desses outros produtos e conservador quando se trata do que quer ver num folhetim.

Público de novela gosta de ver fantasia, situações, cenários e personagens que fujam do seu cotidiano. Mesmo que o protagonista seja pobre, quer ver o herói se dar bem e mudar de vida. Por isso histórias que se passam em ricas mansões ou mocinhos que saem da pobreza exercem tanto fascínio em muitos telespectadores (e por isso também "Império" conquistou tanto o público com seu Comendador).

Há tramas que exageram um pouco na fantasia, como foi o caso de Império mesmo, mas, afinal de contas, estão dando o que o público noveleiro gosta de ver: coisas diferentes do cotidiano. É claro que o público precisa se identificar com personagens e situações, faz parte também. Mas isso se consegue captando a simpatia do espectador através de outros elementos que não o "retratando a vida como ela é" da maioria das tramas atuais.


É por essa razão também que as novelas de época exercem grande apelo. Elas mostram outros tempos, hábitos e costumes, nos fazem viajar com seus cenários e figurinos. E a missão da novela é justamente essa, nos fazer sonhar e transportar da nossa dura realidade para um mundo fantasioso em que haja mais beleza e mais esperança, em que o bem vença o mal e os mocinhos sejam felizes para sempre. 

3. É bom ter concorrência

Reconhecendo o grande sucesso da novela da concorrência ("Os Dez Mandamentos"), o autor admite que isso é positivo, pois faz com que os profissionais da novela caprichem mais. 

E quem ganha no final certamente somos nós, o público, com produtos cada vez melhores e boas opções para assistir.



4. "Nós ainda não entramos para valer nesse seguimento" dos seriados

Aguinaldo reconhece que a concorrência dos seriados também é algo relevante, embora em nosso país a novela continue sendo o principal produto da TV.

"Acho que os seriados são muito mais vistos no Brasil do que a gente pensa."

Sim, é fato. E há um público enorme e crescente de fãs de séries americanas. Isto se explica pela difusão desse material nos últimos anos no país, a qualidade desses produtos e a variedade, que permite ao público opções as mais diversas. 



Uma realidade que seria ótimo mudarmos no cenário nacional:

"Ainda não aprendemos a fazer seriado. Os nossos estão na base do 'sitcom', e isso tá superado. Ou a gente aprende a fazer seriado ou a gente fica para trás, perde uma fatia boa de mercado."

Me arrisco a dizer que já estamos para trás e perdendo essa fatia há um bom tempo.

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