O recorde da Record

Finalmente a Rede Record conseguiu a proeza que tanto queria: bater uma novela global de horário nobre.




“Os Dez Mandamentos” estreou inaugurando um novo horário de novelas na emissora, que até então fugia da concorrência direta com a Globo. Exibida às 20h30m, ODM já começou com um ponto positivo - a faixa horária. Concorrendo o Jornal Nacional, ficou mais fácil atrair espectadores. E, por mais que alguns tenham preconceito com o tema bíblico, não se pode deixar de reconhecer que o produto da Record teve seus méritos.

A adaptação da história de Moisés ficou a cargo da já consagrada autora da casa, Vivian de Oliveira, que já havia feito outras exitosas adaptações de histórias da Bíblia em formato minissérie (como “Rei Davi” e “José do Egito”), e a direção ficou por conta do conhecido e respeitado Alexandre Avancini, que já tinha feito dobradinha com Vivian em “José do Egito”.





Percebendo, enfim, que é boa nisso e já detentora do know how para tanto, a Record investiu e pesado nessa super produção “Os Dez Mandamentos”. E se deu bem. Logo nas primeiras semanas, viu sua audiência do horário subir e repercutir nos programas que vinham na sequência da novela.


Com a missão nada fácil de transformar a vida e obra de Moisés em novela, inicialmente de 150 capítulos, os envolvidos começaram muito bem. A história foi dividida em fases. Assim, diversos atores desfilaram por nossa tela sem parecer exagerado ou cansativo. Tudo bem orquestrado. E a mistura de grandes atores com outros menos experientes mostrou-se muito acertada. Aqui cabe destacar o grande desenvolvimento de Sérgio Marone, no papel de Ramsés, e Camila Rodrigues como Nefertári, que até então nunca tinham recebido papéis de tamanho destaque e surpreenderam positivamente, dando conta do recado.

A escolha de Guilherme Winter como o protagonista Moisés dividiu opiniões. Mas foi uma aposta da casa que se mostrou acertada no final.
Ele começou um pouquinho engessado no princípio, creio que ainda estava tentando se encontrar no papel, mas não desapontou; nos momentos em que sua carga dramática se fez necessária, o ator mostrou-se mais do que pronto, e, aliás, cresceu muito a partir do ponto em que o personagem teve conhecimento de sua verdadeira origem e passou a lutar para conhecer sua família e seu povo, chegando mesmo a confrontar o Faraó Seti (magistral na interpretação de Zé Carlos Machado), momento que marcou a evolução do personagem e vimos ali, sem sombra de dúvida, que Guilherme havia finalmente encontrado o seu Moisés.
Pois bem, o aumento gradativo e surpreendente da audiência da novela, numa interpretação de telespectadora, deveu-se a um conjunto favorável de fatores:
1. A novela “Babilônia”, da Globo, não conseguiu cativar o público; não creio que se deva tanto ao preconceito contra o beijo lésbico entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, mas sim à falta de um enredo que conquistasse o espectador - aliás, o famoso beijo foi no capítulo 1, a novela teve centenas de capítulos pela frente para mostrar a que veio, mas não ofereceu uma história que agradasse, então, no frigir dos ovos, o “mistério” para o fracasso de “Babilônia” nem é tão misterioso assim.
2. A concorrência direta do SBT no horário com a novelinha infanto-juvenil “Chiquititas” não representou nenhum tipo de ameaça para a Record, pois o público de ambas, embora familiar, não era exatamente o mesmo. Quem via “Os Dez Mandamentos” era, na sua maioria, o público adulto.
3. A qualidade do produto apresentado pela Record. Gostando ou não de histórias da Bíblia ou da emissora, fato é que souberam fazer muito bem o que se propuseram a fazer. O figurino espalhafatoso, levando em consideração a época em que a história se passa e a pequena margem de liberdade poética que a produção tomou para deixar tudo mais glamouroso aos olhos, até que ficou muito bom. A imagem era de cinema, e por se tratar de um épico (obras que contam/retratam acontecimento grandioso e dramático), dava a impressão de estarmos vendo um filme. Sem falar dos efeitos especiais que se fizeram necessários em diversos momentos da trama e não decepcionaram (com exceção da sarça ardente computadorizada e a voz de Deus, que ainda penso que devia ser o Cid Moreira, pronto falei!).
4. O resgate de elementos de dramaturgia que estavam ficando esquecidos ou sendo mal explorados também contribuiu e muito para o sucesso da novela. Grandes aventuras, bons casais, valores como amizade e fé, a luta por liberdade e justiça, coisas que mexem com a emoção de quem assiste - mas sempre com uma clara linha delimitando o bem e mal, o vilão do mocinho (com exceção ao personagem Ramsés, que começou como um herdeiro mimado até se tornar um tirano perverso, mas, no fundo, sempre atormentado por ter de combater aquele que considerava um irmão). As tramas atuais tem sido modernas demais e muita gente gosta de novelas de época, pois são interessantes - retratam um outro tempo, outros hábitos, enchem os olhos com cenários e figurinos diferentes do que estamos acostumados a ver.
Sem falar que a glamourização da vilania vem incomodando um pouco boa parcela do público de novelas pelo que se pode sentir. É bem interessante ver um bom vilão, daqueles que adoramos odiar, pois traz grandes momentos à história, não raro tem falas perversas que soam divertidas. Mas ver o mal só saindo por cima nas novelas e não raro apagando os mocinhos ficou cansativo, ainda mais num momento tão conturbado que nosso país atravessa. Então, só para variar, é bom ver um grande vilão que antagonize sem anular os heróis e que acabe pagando caro no final por suas más ações. E isso foi algo que ODM teve com a bela interpretação de Adriana Garambone como a sórdida Yunet - certamente foi a grande vilã do ano, se formos ser honestos.

Com essa conjunção de fatores favoráveis, a missão de elevar o ibope da Record com essa novela foi conquistada. E, como consequência inevitável, a autora teve que esticar os 150 capítulos programados para 170. Até aí, tudo bem. A própria Vivian chegou a dizer que foi avisada a tempo, de modo que não lhe custou muito esforço e nem precisou fazer grandes malabarismos para tanto.

Só que o crescente interesse e a curiosidade das pessoas pela trama redundou em um aumento vertiginoso da audiência que acabou proporcionando um feito e tanto para a Record: o de bater a novela global durante a exibição de alguns capítulos de ODM.
A partir daí, tudo mudou. Aliás, me atrevo a dizer que a falta de planejamento e o estrondoso sucesso pegaram a Record de surpresa e, infelizmente, a emissora ainda tem muito a aprender sobre como lidar com seus produtos. No afã de abocanhar o público e prolongar a agonia da Globo, ao ver que a estreia de “A Regra do Jogo”, substituta de “Babilônia”, também não estava indo bem das pernas, tratou logo de encomendar mais um estica-e-puxa em sua trama bíblica. Aí a autora se complicou. Porque a novela passou a ficar arrastada, vários capítulos em que nada acontecida - e, até então, um dos pontos positivos de ODM era sempre ter algo interessante acontecendo - e ficou notório que as coisas estavam sendo feitas na afobação. Não, a qualidade da novela não caiu em si, mas perdeu ritmo. E isso, amigos, para uma novela, pode ser bem ruim. Porque o público hoje não se contenta em ficar parado diante da tv vendo cenas mornas ou o que chamo carinhosamente de “encheção de linguiça”; o povo quer ação, quer ficar sem piscar com medo de perder alguma emoção. Pois é, e na era do controle remoto e com os canais abertos da tv brasileira apresentando opções diversas, até que a Record conseguiu um grande feito: segurou a audiência até o que chamou de “Final de Temporada”.

Eis aí um negócio que me desagradou profundamente, não sei quanto a vocês. Mas era preferível que tivessem continuado a tocar ODM a entrar por 2016 do que fazer essa parada. E, pior, a Record não foi esperta: ao contrário do que pensam alguns, para segurar esse público conquistado, a emissora devia ter emendado logo uma trama inédita, algo totalmente novo e com a mesma qualidade de ODM; por isso engavetar “Escrava Mãe”, que seria a substituta de ODM, para o ano que vem e colocar em seu lugar a terceira ou quarta reprise, já nem sei, de “Rei Davi” foi dar um tiro no próprio pé. E os números já mostraram uma boa queda na audiência do horário. Compreensível. Boa parte do público de ODM já deve ter visto “Rei Davi”, e a menos que seja fã de carteirinha da Record, foi procurar outra coisa pra ver/fazer nesse horário em que ficou órfão do Moisés.
Falando aqui de estratégia de marketing, o caminho mais acertado seria a Record ter feito dobradinha na última semana de ODM com a estreia de “Escrava Mãe”.

créditos da foto: tv pra vc
É praticamente certo que boa parte desse público acompanharia, sim, a substituta, uma obra nova, de época, também cheia de bons atores e com qualidade semelhante à trama bíblica. Fidelizaria o público. Até porque, boa fatia desse público, ao contrário do que se pensa, não é de religiosos, mas de gente que gosta de ver boas novelas. Mas, como diz o ditado, quem nunca comeu melado, quando como se lambuza. E a Record se lambuzou. Essa era a grande chance - a chance pela qual ela passou anos esperando - de se tornar uma concorrente de peso da Globo. Fico sempre com a impressão de que o maior problema dessa emissora é manter seu foco em querer derrotar a rival, isto parece lhe importar muito mais do que corrigir seus próprios defeitos e ganhar mais qualidade; a meta da Record deveria ser superar a si própria. O resto, viria de bônus.
Já prometeram “Escrava Mãe” inaugurando um novo horário de novelas em 2016, “Os Dez Mandamentos - Parte II” e logo na sequência a continuação da saga em “Terra Prometida”. Ao que parece, a emissora pretende dedicar o horário das 20h30 às produções bíblicas e inaugurar um novo para produções fora desse nicho. Agora é esperar para ver o que a teledramaturgia recordista terá para nos apresentar. E se conseguirá resgatar o público perdido e voltar a romper algum recorde.  

Chamada Escrava Mãe 2016


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